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Primeira Impressão com o Senhor X - Crítica "Ouro Blindado" - Programa 14


Saudações, mancebos amantes da democracia (assim espero), sejam bem-vindos ao Primeira Impressão desse domingo!

Durante essa semana aconteceu meu primeiro encontro com o Alto Conselho aqui do meu planeta. Para quem não lembra, semanas atrás fui convocado às pressas para sair da Terra e vir para cá a fim de prestar esclarecimentos sobre minha suposta exposição sobre nosso povo a vocês, mancebos terráqueos. Bem, a primeira audiência não foi conclusiva, mas meu advogado e eu estamos otimistas. Entre outros pontos, abordamos o fato de que só tenho levado a vocês entretenimento e conhecimento, nada além disso, e que nenhum mancebo manifestou qualquer intenção de levar à frente uma busca por nosso planeta, algo que poderia comprometer a segurança desse lado da galáxia. Reforçamos que (in)felizmente vocês não tem tecnologia para sequer nos detectar, e que meus leitores são fieis e leais a mim.

Bom, como eu disse, eles ainda não chegaram a uma conclusão, mas enquanto a próxima audiência não acontece, eu leio e relaxo nas banheiras termais de lama dos Campos Cinzentos, lar dos Hong-Dongs, bichos que, apesar de nojentos, aquecem essas banheiras naturais e me proporcionam uma tarde sem igual. E é daqui que farei a crítica de hoje, mas não pensem que o bem-estar causado pelo lugar influenciará em minha opinião sobre a obra.

A crítica de hoje se trata de Ouro Blindado, escrita por Selma Dumont e exibida no Ranable Webs. Confira a sinopse:

A história se inicia em 2008 com a briga dos irmãos Carlos e Paulo por causa da joalheria que Paulo abriu em frente a de Carlos, pra roubar seus clientes e também pra usufruir um pouco dos lucros. É mostrado também o conflito das irmãs Paola e Rafaela e Fernanda e Dolly. Em clima de joias e beleza é que as tramas vão se desenrolando, como a trama de Tamara, esposa de Carlos, mãe de duas filhas, que tem uma vida estável. Ninguém sabe, mas no passado foi uma prostituta da casa de Berenice, uma cafetina má, que resolve depois de anos chantagear sua ex garota. Tamara simplesmente se vê em desespero com essa situação. Já Rafaela tem inveja de sua irmã Paola. Isso porque Paola sempre recebeu mais atenção e mais elogio dos pais. Além do mais, Paola teve a festa de 15 anos do sonhos e Rafaela não. E assim começa a rivalidade que vai perdurar anos”.

Para quem não sabe, Selma Dumont é o mesmo Igor Gonçalves, autor de A Inveja Mata, webnovela cuja estreia foi duramente criticada aqui no programa. Com isso, alguns de vocês podem pensar que quando eu soube disso fiquei com um pé atrás, mas esse pensamento não poderia estar mais errado. Quem me acompanha desde o início sabe que o que me atraiu na cultura escrita da Terra foi a terrivelmente divertida esperança humana, e não é possível que depois de dezenas de milhares de páginas, papiros e rolos lidos eu não tenha me “contaminado” um pouco que seja com tal esperança. Encaro cada obra a ser aberta como um novo desafio, uma nova possibilidade, e foi assim que iniciei a leitura desse capítulo de estreia.

E não é preciso muitas cenas de leitura para notar a grande diferença entre a obra anterior e essa, que tem, ainda que com limitações (falaremos sobre), uma noção de narrativa. A sequência de abertura começa bem, introduzindo o leitor no espaço físico da joalheria Ouro Blindado, e ali vemos alguns clientes fazendo suas gordas compras. As descrições poderiam se estender um pouco mais, mas a cena não faz feio. Logo mais vemos Rafaela, filha do casal proprietário da joalheria Carlos e Tamara, uma pessoa que reclama que só queria uma festa de aniversário, assim como toda garota de sua idade. Eu provavelmente a entenderia muito bem e até concordaria caso soubesse que idade é essa, e por isso disse “uma pessoa”. Sim, o texto demora a nos dar essa informação, e sim, a introdução de personagens de todo esse capítulo é tipicamente deficiente, ou seja, é como na maioria esmagadora das webnovelas, em que os nomes são apenas tacados no texto, dando a entender que os autores pensam que seus leitores têm acesso direto às suas imaginações, eliminando a necessidade de colocar no capítulo informações tão básicas. Só depois é que descobrimos que se trata do aniversário de 15 anos da menina, e aí finalmente deixamos de enxergar um letreiro “RAFAELA” andando pela casa e pela escola para enxergar uma figura genérica de uma garota de 15 anos.

Os pais de Rafaela, Carlos e Tamara, pensam em agradar a filha e até cogitam presenteá-la com uma joia, já que têm tantas para vender. Mas ele lembra a esposa que estão em crise, e uma joia seria um presente inviável naquele momento. Essa constatação de Carlos acontece depois de sabermos que eles estão passando por dificuldades financeiras, e esse é o tipo de cuidado que não vimos em A Inveja Mata, e nem em boa parte das webnovelas, que é a coerência. Alguns leitores mais críticos podem achar que isso é o básico em uma história, mas peguem uma centena de webnovelas e verifiquem em quantas a coerência não é respeitada; em dezenas. Só nesse ponto já se sente a clara evolução da novela anterior para essa, pois outro autor, movido mais pela emoção em ter uma história publicada do que pela razão em se escrever uma boa história, não hesitaria em fazer os personagens pegarem uma das joias de sua loja e dar à filha; para ele não haveria impeditivo algum nesse ato.

Bom, eu teria ficado bastante contente se a coerência permanecesse em todo o capítulo, mas infelizmente isso não acontece, e o maior expoente dessa problemática é a joalheria que está sendo montada do outro lado da rua, em frente à Ouro Blindado. Para que entendam o que fica entendido ao longo das cenas, vou explicar: o irmão de Carlos, Paulo, está abrindo uma joalheria propositalmente de frente para a do irmão. Ao longo do tempo, Carlos, obviamente, vê que ali do outro lado está sendo montada uma loja, mas não faz ideia de qual o ramo da mesma, nem de quem é o proprietário. Somente no DIA DA INAUGURAÇÃO é que ele descobre que se trata de uma joalheria, e que ela é de seu próprio irmão. Acham que é só isso? Não. Parece que Paulo tem algum dom de diminuir o interesse das pessoas em seus negócios quando lhe convém, pois sua esposa Margareth também só fica sabendo que ele montará uma joalharia dias antes da inauguração. Mancebos, nunca fui um cidadão terráqueo ativo nas atividades comuns, mas onde é que ficam a negociação, a transação financeira, o levantamento de todo o necessário para reforma e montagem...? É sério que Paulo passou longe dos olhos da esposa, com quem mora, e do irmão, do outro lado da rua, durante todo esse tempo e fazendo todas essas coisas?!

Ainda quanto a personagens, gostaria de abordar o maior potencial e o menor, aliás, esse com grande potencial para ser um estrago literário. O maior é a rivalidade entre as irmãs Carlota e Margareth. Essa visita a primeira em sua mansão para tomar “café”, mas não percebe que não é muito bem-vinda, e ataca a mesa farta sem medo. A troca de farpas é constante e a acidez é sentida no ar, e se nos capítulos posteriores essa relação continuar a ser explorada dessa forma, bem escrita, certamente renderá um ótimo núcleo cômico para todo o andamento da novela. O menor potencial trata-se da garota Dolly, filha de Paulo e Margareth, e que se fosse retirada desse capítulo não só não faria falta como faria bem à trama. E o problema não é seu racismo abominável, mas a forma como ela é escrita destilando o veneno do preconceito. É em uma aula de monólogo bobo, extremamente expositivo e completamente inverossímil que a garota diz com todas as letras o quanto odeia pessoas negras. E, sozinha ali no corredor de sua casa, ainda faz piadinha... Me parece mais uma tentativa desesperada de inserir uma causa social na história do que de tratar o assunto com seriedade e, acima de tudo, organicidade. Sim, queremos histórias sobre isso, mas que seja de forma orgânica, ou seja, que o leitor não sinta que aquilo está sendo espremido ali entre as cenas só para cumprir uma lista de temas sociais.

As adolescentes dessa história são muito chatas, especialmente Rafaela, que é simplesmente insuportável. Mas não vejo isso como defeito da estreia, mancebos humanos de fato costumam se comportar dessa forma, sentindo raiva e ódio de coisas banais, e acho que aqui está mais para um retrato fiel dessa fase da vida. Mas outra característica da adolescência é a mudança constante na personalidade, nos gostos e nas opiniões. Por essa razão é que é difícil entender como é que Rafaela, 2 anos depois e no alto de seus 17 anos, já com idade de entrar no Ensino Superior, ainda sente mágoa por não ter tido uma festa de 15 anos, e que isso é potencializado com a aproximação da festa equivalente da irmã mais nova. Como é que ela não mudou nada durante a fase mais dinâmica da vida humana?!

No geral não dá para identificar muito bem nesse capítulo qual é a história principal da novela, pois não se trata de um capítulo redondinho. A rivalidade de irmãos e de joalherias, que chega a lembrar a de famílias e restaurantes em filmes e novelas e que pensei que seria o mote central aqui, começa, se desenvolve rapidamente e se encerra antes do final do capítulo. Os outros núcleos são claramente paralelos, sobrando apenas Rafaela, cujo dilema de ressentimento por não ter um aniversário e uma vida exatamente como queria não tem relação direta com a Ouro Blindado. O que se vê é um desalinhamento entre título, temas e núcleos, cabendo aos capítulos seguintes ajustar isso e deixar mais claro ao público que história ele acompanhará e quais a orbitará.

Em comparação à A Inveja Mata, Ouro Blindado apresenta uma noção infinitamente maior e melhor de cinematografia, e, por consequência, de roteiro. Não é o ideal, está longe, mas já está, sem sombras de dúvidas, no caminho correto. Dorothy saiu do Kansas preto-e-branco e agora já percorre a estrada de tijolos amarelos rumo a Oz. O que me deixa feliz é o nível de evolução, qualquer projeção matemática apontaria para uma próxima estreia ainda melhor. E talvez seja graças, em parte, a nós críticos que isso seja possível para os autores. Ainda bem que, diferente do Ouro da trama, não são as obras blindadas às críticas. E essa, meus amigos... essa é a graça da democracia.





Novela: Ouro Blindado

Autora: Selma Dumont

Capítulos: 23

Emissora: Ranable Webs

Clique aqui para ler o 1° capítulo

Saiba mais sobre a novela


E essa foi a crítica de hoje. Gostaram, concordam, discordam? Digam nos comentários. O que acham da novela criticada? Digam tudo nos comentários. Enquanto isso vou relaxar em minha banheira termal de lama para amanhã trabalhar na preparação da 2° audiência com o Alto Conselho. Torçam por mim para que eu não perca a liberdade de retornar ao lar de vocês e continuar com nosso programa semanal, que torcerei para que sejam eleitos na região de vocês líderes honestos, capazes e comprometidos com o progresso. E caso tenham perdido o programa da semana passada, basta clicarem aqui para lê-lo.

Por hoje é isso. Tenham uma boa semana e até o próximo domingo!

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