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Os Protetores 1x03: Por Toda Nossa Breve Vida - Parte 1




OS
PROTETORES



série de
FELIPE LIMA BORGES


 Temporada 1, Episódio 03
“Por Toda Nossa Breve Vida – Parte 1”


escrito por
FELIPE LIMA BORGES





O.S.: Indica que o personagem falando está no cenário, mas fora do alcance da câmera.
V.O.: Indica que o personagem falando não está no cenário, soando como uma narração.
FLASHBACK: Ação que ocorre no passado.
FLASHFORWARD: Ação que ocorre no futuro.


Tela preta.
A compaixão para com os animais é das mais nobres virtudes da natureza humana.
Charles Darwin

FADE IN:
CENA 1: INT. ESTRADA – CARRO - DIA
Tela preta.
Som de dedos manuseando equipamento.
LÚCIA (V.O.)
Ué, não tá mostrando...
CARLOS (V.O.)
O quê, amor?
LÚCIA (V.O.)
A imagem... Não tá aparecendo...
CARLOS (V.O.)
Tenta aquele botão. Não, esse... Aí.
FADE IN:
Painel do carro. A câmera, inclinada, balança bastante.
LÚCIA (O.S.)
Aí, foi. Pronto.
O balanço diminui e a posição da câmera se ajusta. Vemos o painel do carro e a estrada através do para-brisa. Estamos olhando através da câmera de vídeo de LÚCIA (40 anos), sentada no banco da carona.
Lúcia vira a câmera para seu marido CARLOS (45 anos), que dirige.
LÚCIA (O.S.)
(baixinho) Olha aqui, amor. Dá um sorriso. Aê...
Ela vira a câmera para seu próprio rosto.
LÚCIA
Bom, oi! Nós... estamos aqui... a caminho da cidade, (sorrindo) e é um grande dia pra nossa família... Porque ela tá prestes a aumentar! Um novo membro, né, amor?
Ela vira a câmera para Carlos.
CARLOS
É, e dessa vez não fui eu, viu, sogra?
Lúcia volta a câmera para si rapidamente.
LÚCIA
(rindo) Bobo. Não, não...
Conforme profere a próxima fala, Lúcia desloca a câmera levemente para sua esquerda, pegando também BENJAMIN (4 anos), ao fundo, sentado na cadeirinha de transporte do banco de trás. O garoto encara a paisagem emburrado.
LÚCIA
O Ben não vai ganhar um irmãozinho ainda, mas vai ganhar um amigo, um amiguinho, quase um irmão de verdade! Né, filho? Fala alguma coisa.
Benjamin olha para a câmera por uns segundos e de volta lá para fora.
LÚCIA
Fala alguma coisa pra mamãe... Vai, querido.
CARLOS (O.S.)
Fala pra vovó que a família vai crescer, filhão.
LÚCIA
Poxa, meu amor... Então sorri. Mostra os dentinhos pra câmera, você fica lindo sorrindo.
Benjamin olha novamente para Lúcia e a câmera.
BENJAMIN
Não.
CARLOS (O.S.)
Sorri se não o papai vai aí atrás fazer cócegas...
LÚCIA (O.S.)
Bem, filho, você não tá animado pra conhecer o totó? Seu amiguinho...
Benjamin olha mais uma vez para a câmera, a cara ainda mais amarrada.
BENJAMIN
Não!
Um segundo de imagem estática e som de chiado.
CORTA PARA:
CENA 2: INT. PET SHOP – DIA
Ainda pela câmera de Lúcia, vemos uma funcionária de jaleco se aproximando com uma caixinha de papelão.
LÚCIA (O.S.)
Chegou, filho. Olha só...
Rapidamente vemos Benjamin, ao lado da mão, olhando com certa curiosidade a caixa nas mãos da mulher.
LÚCIA (O.S.)
Chegou o totó, meu amore.
FUNCIONÁRIA
Aqui está o garotão.
Então vemos o interior da caixa: um FILHOTE de Golden Retriever. Carlos pega o cachorrinho.
CARLOS
Oi, amigão! Eita, garotão mesmo. É pesado o bichinho...
LÚCIA (O.S.)
Que fofo! Olha que cachorrinho lindo, filho!
FUNCIONÁRIA
(para Benjamin) Quer pegar ele?
CARLOS
Aqui, Ben, pega! Ele estava te esperando...
Carlos aproxima o filhote de Benjamin. O garoto não se afasta nem levanta as mãos para pegá-lo, mas o olha atento.
LÚCIA (O.S.)
(baixinho, para a funcionária) Ele é tímido...
O cãozinho e Ben se encaram, conhecendo-se.
FUNCIONÁRIA (O.S.)
Já sabem que nome vão dar?
LÚCIA (O.S.)
Um dia ele mencionou um. Disse que queria Bolacha.
CARLOS
(incentivando o filho) Pega o Bolacha, filho. Não morde, é mansinho...
LÚCIA (O.S.)
Achou ele bonito, Ben?
Benjamin levanta a mão devagar e encosta o dedo com suavidade na cabeça do filhote.
FUNCIONÁRIA (O.S.)
Ele gostou de você.
LÚCIA (O.S.)
Viu, amore, ele quer ser seu amigo.
BENJAMIN
(meio incomodado, meio assustado) Hummm...
Benjamin vira as costa para o pai que segura o filhote e se esconde atrás das pernas da mãe.
LÚCIA (O.S.)
Filho...
Um segundo de imagem estática e som de chiado.
CORTA PARA:
CENA 3: EXT. FAZENDA FAMÍLIA DE BENJAMIN – QUINTAL – DIA – TEMPOS DEPOIS
Pela câmera de Lúcia vemos Benjamin e Bolacha, já entrosados, andando descontraídos pelo mato baixo. Lúcia e Carlos sentados no chão, próximos aos dois.
CARLOS (O.S.)
Bolacha. Rum, foi um bom nome.
LÚCIA (O.S.)
Pois é...
CARLOS (O.S.)
Ainda bem que temos esse quintal de meu Deus pra ele.
LÚCIA (O.S.)
(virando a câmera para Carlos) Por quê, mor?...
CARLOS
Golden Retriever... eles são amorosos, inteligentes e tudo mais, mas precisam de espaço. Bastante espaço!
Lúcia volta a filmar o garoto e o cãozinho.
LÚCIA (O.S.)
Então Bolacha está bem servido.
A câmera dá zoom na dupla que brinca.
Um segundo de imagem estática e som de chiado.
CORTA PARA:
CENA 4: EXT. CLUBE – PISCINA – DIA
Pela câmera de Lúcia vemos Benjamin na piscina, com boia nos braços. Lúcia e Carlos estão deitados em cadeiras de descanso ao redor. Na beira da piscina, Bolacha (um pouco maior) late sem parar para o garoto.
LÚCIA (O.S.)
O Bolacha quer entrar... Melhor tirar ele dali, amor.
CARLOS (O.S.)
Pula, Bolacha! Pula!
LÚCIA (O.S.)
Amor! Ele não sabe nadar!
De repente Bolacha para de latir para Benjamin e pula na água meio sem jeito.
A câmera treme com Lúcia sentando bruscamente.
LÚCIA (O.S.)
Meu Deus, ele não sabe nadar!
A câmera vira para Carlos, que segura os óculos de sol levantados.
CARLOS
(despreocupado) É assim que eles aprendem.
Carlos coloca os óculos de volta. A câmera vira para a piscina, onde o animalzinho nada animado pela primeira vez.
Um segundo de imagem estática e som de chiado.
CORTA PARA:
CENA 5: INT. ESTRADA – CARRO – DIA
Da janela de trás do carro, a câmera amadora filma Bolacha na janela da frente, animado com a paisagem e o vento sacudindo suas orelhas.
Meio segundo de imagem estática e som de chiado.
CORTA PARA:
CENA 6: INT. FAZENDA FAMÍLIA DE BENJAMIN – CASA – QUARTO DE BENJAMIN – NOITE
Vemos Benjamin (6 anos) no chão, de bruços, em frente ao ventilador. Bolacha (2 anos), ao seu lado, late contra o vento.
Ouvimos Lúcia rir.
Meio segundo de imagem estática e som de chiado.
CORTA PARA:
CENA 7: EXT. PARQUE – DIA
Pela câmera nas mãos de Carlos, vemos Lúcia (43 anos), Benjamin (7 anos) e Bolacha (3 anos), mais à frente, correndo felizes pelo parque.
Meio segundo de imagem estática e som de chiado.
CORTA PARA:
CENA 8: EXT. FAZENDA FAMÍLIA DE BENJAMIN – QUINTAL – NOITE
Muita movimentação. Por entre várias pessoas que estão ali para alguma confraternização em família, Bolacha persegue um gato, NAPOLEÃO, o gato de estimação da SOGRA (65 anos), a mãe de Lúcia. E essa, por sua vez, persegue Bolacha.
Carlos, gargalhando baixinho, persegue a sogra enquanto filma a correria da mesma e dos bichos.
SOGRA
Bolacha! Bolachaaa! Seu cachorro da peste, larga meu gato! Larga o Napoleão! Meu Napoleão! BOALCHA!!!
Meio segundo de imagem estática e som de chiado.
CORTA PARA:
CENA 9: INT. SUPERMERCADO – NOITE
Carlos filmando Lúcia que empurra um carrinho de compras com uma cadeira para crianças. Porém, quem está na cadeira é Bolacha.
Lúcia mexe os braços como quem diz “O que eu podia fazer?”.
Meio segundo de imagem estática e som de chiado.
CORTA PARA:
CENA 10: INT. FAZENDA FAMÍLIA DE BENJAMIN – CASA – VARANDA – NOITE
Mesma confraternização da cena 8.
Pela câmera nas mãos de Carlos vemos Bolacha se aproximando da sogra. Ben está perto de Carlos.
CARLOS (O.S.)
Fique atento, filho. A qualquer momento...
Bolacha está muito atento à mão da sogra – que gesticula bastante enquanto fala a umas quatro pessoas –, mais precisamente ao salgado que essa segura.
CARLOS (O.S.)
Muita atenção, a fera está rondando sua caça. Movimentos furtivos... É um momento exclusivo. Ela se aproxima, cada vez mais perto, mais perto, bem devagar... Pata ante pata...
Cada vez que a mão da sogra abaixa Bolacha intenta dar o bote.
CARLOS (O.S.)
Mais um descuido e/
Então Bolacha se aproveita de um momento de mão baixa e abocanha o salgado da mão da sogra.
SOGRA
Ahn?! Ei!
Bolacha sai apressado entre as pessoas carregando o salgado grande demais para sua boca.
SOGRA
Bolacha! Seu peste! Volta aqui, seu cachorro! Faça alguma coisa, Carlos! Meu salgado!
Carlos e Benjamin desatam a rir.
Meio segundo de imagem estática e som de chiado.
CORTA PARA:
CENA 11: EXT. FAZENDO DA SOGRA – QUINTAL – DIA
Em um quintal de fazendo vemos Bolacha andando curioso entre algumas galinhas desconfiadas.
SOGRA (O.S.)
Ele já estressou demais o Napoleão, Carlos. Tô te falando, dá um jeito nele porque senão daqui a pouco meu gato não consegue nem comer mais.
De repente Bolacha tenta subir em uma galinha para acasalar.
SOGRA (O.S.)
BOLACHA, MINHAS GALINHAS NÃO!!!
A câmera treme.
Meio segundo de imagem estática e som de chiado.
CORTA PARA:
CENA 12: EXT. FAZENDO FAMÍLIA DE BENJAMIN – REDONDEZAS – DIA
Lúcia filma. Vemos Benjamin e Bolacha por ali. Carlos (48 anos), ao fundo, ajeita umas muda de laranjeira recém-plantada.
LÚCIA (O.S.)
Pronto, amor?
CARLOS
Quase lá... Quase... E... Pronto!
LÚCIA (O.S.)
Aê.
Carlos se levanta e sai do quadro.
LÚCIA (O.S.)
Agora vai lá, Ben, lá do lado da laranjeira. Você e o Bolacha.
BENJAMIN
(um tanto indisposto) Tem certeza, mãe?
LÚCIA (O.S.)
Sim, meu filho. Vai ficar linda a foto. Daí quando a laranjeira der as primeiras frutinhas, você e o Bolacha vão estar mais velhos, maiores, e a gente vai tirar outra foto pra por do lado dessa de hoje. (agarrando a bochecha do filho e a orelha do Bolacha) E comparar o crescimento dos três lindões!
Benjamin olha para Bolacha e levanta uma sobrancelha como quem diz “Fazer o quê?”, e vai em direção à planta seguido pelo cachorro.
CARLOS (O.S.)
Aí mesmo, um pouco mais pra frente. Isso!
LÚCIA (O.S.)
Coloca o Bolacha mais encostado na laranjeira... Aê, perfeito! Prontos os dois?!
Benjamin à esquerda e Bolacha à direita, com a laranjeira entre eles, olham para a câmera.
LÚCIA (O.S.)
Sorriso! Isso! Agora digam chis!
BENJAMIN
Chis!
Bolacha late.
O vídeo que Lúcia filma congela e se transforma em uma foto.
FIM DA FILMAGEM CASEIRA.
FADE OUT:
FADE IN:
CENA 13: EXT. BAIRRO – CALÇADA – NOITE
BRUNO (25 anos, moreno, gordo, veste camiseta escura e bermuda) pega seu pacote de lanche da mão de um vendedor ambulante e entrega o dinheiro.
BRUNO
Obrigado.
Bruno olha para perto dali, onde está PINGO (vira-lata), seu cachorro, cheirando outro cachorro pelo portão da casa, e assobia chamando-o.
BRUNO
Pingo! Bora!
Pingo obedece e segue o dono.
CORTA PARA:
CENA 14: EXT. CASA DE BRUNO – RUA – NOITE
Bruno e Pingo vem caminhando pela calçada, já perto de sua casa.
BRUNO
Quem será que sai hoje, Pingo? Eu digo que o Santos passa com facilidade. 3 a 0, 3 a 1 no máximo, hum?
FÁTIMA (O.S.)
Bruno, já vai entrar?!
Bruno se vira. Perto dali, do outro lado da rua, FÁTIMA (55 anos, magra) está sentada na entrada de sua casa, que dá para a rua.
BRUNO
Ô, dona Fátima! Eu vou ver o jogo antes de fechar tudo!
FÁTIMA
Pois então deixa o Pingo aqui enquanto você assiste... Depois pega ele.
BRUNO
Ta bom, tudo bem. Vai lá, Pingo, vai com a dona Fátima. Depois do jogo eu te busco, amigão.
Pingo atravessa a rua e vai para junto de Fátima, que o recebe com carinho.
Bruno vê a cena sorrindo enquanto abre o portão de sua casa. Entra.
CORTA PARA:
CENA 15: CONT. – INT. SALA – NOITE
Bruno senta na poltrona aliviado. Assiste ao jogo na televisão com o lanche comprado já quente e no colo.
NARRADOR (V.O.)
Os times já estão prontos e a qualquer momento o árbitro vai dar a largada nesse jogo decisivo da Libertadores!
Bruno aumenta o volume da TV com o controle remoto e come.
CORTA PARA:
CENA 16: EXT. CASA DE FÁTIMA – RUA – NOITE
Fátima tira alguns carrapatos de Pingo.
FÁTIMA
Esse seu dono não tá te cuidando direito não, hein... Olha só esse aqui... Jesus, coitado de você, Pingo.
Ao fundo, um furgão de sorvetes (rosa e verde, com o desenho de um menino segurando um sorvete e os dizeres "Manda+ Sorvetes" nas duas laterais) dobra a esquina e vem na direção da cena. Fátima olha.
FÁTIMA
Que é aquilo?
O furgão anda em velocidade baixa.
FÁTIMA
Vendedor de sorvete a essas horas?
O furgão se aproxima mais... e para quase em frente à casa de Fátima. Desliga os faróis, depois os motores. Fátima, observando com estranheza, franze o cenho.
FÁTIMA
Não quero comprar sorvete hoje não!
A porta do motorista se abre. Primeiro aparecem os sapatos escuros e então a figura desce do veículo.
Fátima muda seu semblante para medo, se põe de pé e agarra Pingo para junto de si.
FÁTIMA
Quem é você?! O que quer?!
Então vemos o que ela vê: a figura está coberta da cabeça aos pés. Usa toca com recortes para os olhos e nariz, suéter, luvas, calça e sapatos, tudo preto.
CORTA PARA:
CENA 17: INT. CASA DE BRUNO – SALA – NOITE
Bruno come e assiste ao jogo despreocupadamente.
Então ouvimos alguns sons distantes. Bruno estranha. Olha pela janela, para a televisão e de volta para a janela.
BRUNO
Pingo?
Nada. Bruno se levanta e sai.
CENA 18: CONT. – EXT. RUA – NOITE
Bruno sai pelo portão.
BRUNO
Pingo? Dona Fátima?
A algumas dezenas de metros dali o furgão de sorvetes se distancia vagarosamente. Bruno franze o cenho.
Então ele olha para a frente da casa de Fátima, onde ela estava com seu cachorro. Mas a mulher está caída e inconsciente, e nenhum sinal da presença de Pingo.
BRUNO
Dona Fátima?! Dona Fátima!
Bruno atravessa a rua correndo.
CENA 19: EXT. CASA DE FÁTIMA – RUA – NOITE
Bruno chega até o corpo caído de Fátima.
BRUNO
Dona Fátima, dona Fátima! Meu Deus! Dona Fátima!
Bruno aproxima o ouvido do nariz da mulher. Depois pega seu pulso e, percebendo que ela não está morta, respira aliviado.
BRUNO
Vou chamar o socorro, dona Fátima.
Bruno se levanta, mas então se dá conta da ausência de Pingo.
BRUNO
Pingo. Pingo! Cadê o Pingo?!
Ele olha nos arredores e no interior da casa de Fátima chamando pelo animal.
BRUNO
Pingo!!! Pingooo!!!
Bruno, no meio da rua e com as mãos na cabeça, grita pelo cachorro olhando para todos os lados.
BRUNO
PINGO!!!
Atraídos pelo gritos, alguns vizinhos aparecem na calçada. Lágrimas começam a escorrer pelo rosto de Bruno.
BRUNO
PINGOOO!!!
Tela preta.
A voz de Bruno ecoa.

CORTA PARA:
CORTA PARA:

CENA 20: INT. PRÉDIO BATALHÃO AMBIENTAL DA PM – ESCRITÓRIO DE OSVALDO – DIA
SOFIA e ADRIEL estão postos à mesa do tenente Osvaldo, embora esse ainda não tenha chegado ali.
ADRIEL
E eu imaginava que por causa do rio haveria muito, muito mais mosquitos. Antes de viajar mesmo alguns amigos me disseram que a cidade é infestada por pernilongos, e à noite, naturalmente, eu estava esperando uma horda deles! Comprei de tudo, caixa de repelentes, inseticidas...
SOFIA
(pequeno sorriso de desdém) Horda?
ADRIEL
Ouvi muitas outras histórias estranhas...
SOFIA
Que histórias estranhas, Adriel?
ADRIEL
Umas coisas sobre... pernilongos gigantes.
Sofia, com um sorriso, tampa os olhos como quem diz "Meu Deus, não estou escutando isso".
ADRIEL
Claro que tudo isso se provou bem errado, porque a verdade é que, pelo menos na vila, é praticamente igual à minha antiga casa em São Paulo: quase não tem.
SOFIA
Ah, mas ainda bem que você me explicou isso. Precisava mesmo saber.
ADRIEL
Só constatando, Sofia. Porque uma vez, quando viajei pra Bolívia, parei num hotel 2 estrelas bem na divisa, e era o inferno! Mais de 40 graus e uma praga de mosquitos o dia todo. A explicação lógica era a proximidade do Rio Paraguai... Não é?
SOFIA
Sim, Adriel.
ADRIEL
E... então?! Qual o motivo do mesmo não acontecer aqui? Você, como bióloga, pode me responder isso melhor que ninguém.
SOFIA
Quer a explicação técnica ou a não-chata?
ADRIEL
Não me subestime, parceira...
SOFIA
Não, sério. São termos científicos...
ADRIEL
Manda a que você tiver...
SOFIA
Bom, basicamente o Rio Negro é ácido. Muito ácido. E esse alto grau de acidez, que vem de uma série de organismos em decomposição, impede a proliferação dos mosquitinhos. Coitados... E aí nada de muriçocas. Pra muita gente esse é um dos motivos que fazem do rio Negro uma bênção pra Manaus. Parafraseando Heródoto, Manaus é uma dádiva do rio Negro.
ADRIEL
Entendi, mas... "coitados"? Sério, Sofia? Seu amor pela natureza... chega a esse ponto?
SOFIA
Oxe, o quê?! Você acha que a vida de uma muriçoca vale menos que a de um cachorro?!
Adriel respira fundo e ergue as sobrancelhas.
ADRIEL
OK. Tá bom. Mas quando você diz "muriçoca" tá se referindo aos mesmos pernilongos que eu?
Sofia não tem tempo para responder pois nesse momento a porta se abre e o tenente OSVALDO, segurando arquivos e papéis soltos, entra a passos apressados pela sala, falando em igual velocidade. Não os cumprimenta e nem mesmo os olha, caminha direto para suas gavetas repletas de outros arquivos e documentos. Assim que ele entra, Sofia e Adriel se levantam e ficam em posição, aguardando ordens.
OSVALDO
5 meses, mais de 90 desaparecimentos registrados, estimativa de outros 30 não contabilizados e ainda o maldito enigma no ar. Jorge Teixeira, Colônia Terra Nova, Tarumã, Dom Pedro, Redenção, São José Operário e até mesmo Zona Franca. E outros tantos. Mas com maior expressividade nessas regiões. Apesar disso, nenhum padrão de atuação, nenhuma marca suficientemente indicativa, a não ser a suspeita dos sumiços ocorrerem pela madrugada. Mas não é uma informação confiável, às vezes as pessoas demoram a dar falta deles. Portanto, tão aleatório quanto um dado de mil faces. Raças predominantes? Vira-latas, é claro. São eles a maioria nas ruas.
Osvaldo vai para sua cadeira, de frente para a dupla em pé, mas ainda não olha para eles.
OSVALDO
Quanto aos intervalos entre os ataques, ou melhor, entre os registros, nada significativo. Dias, semanas... (mexendo na papelada em sua mesa) Alguns enxergam nisso um modus operandi que lembra algum tipo de serial killer. No entanto, nenhum corpo, nem mesmo uma gota de sangue foi encontrada pelos nossos homens. No máximo pelos nos locais onde mais costumavam ser vistos pelos moradores, o que, claro, não diz nada. E é por isso que esse caso foi transferido à DICAM, a vocês.
Osvaldo finalmente olha para a dupla. Franze o cenho ao vê-los em pé e em posição.
OSVALDO
O que estão fazendo?
Sofia e Adriel batem continência a Osvaldo.
OSVALDO
Ah... Claro...
Osvaldo se levanta e responde o cumprimento gestual.
OSVALDO
Sentem, sentem...
SOFIA
Obrigada.
ADRIEL
Obrigado.
Osvaldo faz que sim.
OSVALDO
E então?
SOFIA
Lamentável, senhor. Faremos o possível e o impossível para encontrar o culpado, ou os culpados.
ADRIEL
Sim.
OSVALDO
Certo. Deixo com vocês então esses arquivos. Há algumas fotos aí no meio de alguns dos cães de rua desaparecidos. Conseguimos com os moradores que os via diariamente.
Sofia pega os papéis.
SOFIA
Certo.
OSVALDO
Estarei enviando para vocês também, por e-mail, outros documentos, testemunhos... Analisem tudo com cuidado, com paciência, tudo bem? Os cães desaparecidos podem estar vivos, e em perigo, e outros tantos por aí podem ser o próximo alvo, mas se trabalharmos nisso com afobação e sem se atentar aos detalhes, não estaremos ajudando ninguém, e não valerá de nada. Então não precisam se preocupar em resolver isso em um dia.
Sofia fica desconcertada, mas faz que sim.
ADRIEL
Pode ficar tranquilo, tenente. Vamos fazer tudo certo dessa vez.
OSVALDO
Ótimo.  Bom, tenho muito o que resolver hoje, então... (apontando as mãos para a porta) Mãos à obra!
Sofia e Adriel se levantam e começam a despedida gestual.
ADRIEL
Permissão pra—
OSVALDO
(interrompendo) Ah, sobre isso... Vamos deixar as formalidades entediantes para locais públicos ou quando estivermos com outros colegas... ou convidados. Que ninguém me ouça mas... é melhor assim para a nossa convivência, e consequentemente, para o nosso rendimento. Parece bom pros senhores?
ADRIEL
Tudo bem, senhor. Claro, como quiser. (sorri) Então... Até mais. (para Sofia) Não vem?
SOFIA
Vai indo, já tô indo atrás.
Adriel faz que sim e sai.
OSVALDO
Pois não, Sofia? Quer me dizer alguma coisa?
SOFIA
Ah... Senhor... Sobre o último caso, do Geraldo... Sobre a minha mentira—
OSVALDO
(interrompendo) Sofia, esquece isso. Pensei que Adriel já tivesse te contado que não me importei com sua mentira descarada.
SOFIA
Bom, ele falou, mas...
OSVALDO
Se isso te faz sentir melhor...
Osvaldo se levanta e pega as mãos de Sofia.
OSVALDO
Tá desculpado, filha. Não se preocupe mais com isso.
SOFIA
Aah, isso me faz me sentir muito melhor sim! Obrigada, senhor! Obrigada mesmo! Prometo não fazer mais isso. Pode confiar!
OSVALDO
(sorrindo) Tudo bem, Sofia. Assim espero.
Sofia sorri aliviada.
CORTA PARA:
CENA 21: CONT. – INT. ESCRITÓRIO DA DICAM – DIA
Sofia, em sua mesa com fundo para a janela, analisa documentos e mapas na tela do computador enquanto Adriel, na mesa perpendicular à dela, lê papéis em sua mão. Um bipe do computador em sua frente e Adriel olha: mensagem do tenente ROBERTO no WhatsApp Web.
Adriel abre e lê: "Bom dia meu nortista preferido. Passando só p te avisar q o conselho marcou o primeiro interrogatório p hj a noite no skype. Pouco antes das 20 te ligo p te orientar. Toma um banho e poe uma roupinha caprichada q é p deixar uma boa impressão no conselho. Tenha um bom dia. Ah, horário de São Paulo ;)", seguido de um emoji feliz. Adriel envia "OK" e Roberto responde "Força!!" com emojis do policial e do braço forte.
ADRIEL
(para si) Ingratos.
E fecha o aplicativo.
Sofia, muito concentrada na leitura de um testemunho documentado na tela do PC, tem um pequeno susto com o bipe do seu aplicativo. Então abre-o.
Não é seu WhatsApp pessoal, mas o da DICAM. A mensagem é de um número que não está nos contatos, e diz: "Pfvr é da policia ambiental??". Sofia responde "Sim, Divisão de Investigações. Sargento Sofia Medeiros. Com quem falo?" ao que é recebido "Meu nome é Bruno, e preciso da ajuda de vcs!!".
Sofia digita.
BRUNO (V.O.)
(abatido) Eu fiz de tudo, fui na delegacia, registrei queixa... Mas me falaram que dificilmente poderiam fazer alguma coisa por mim. Então notifiquei a CCZ que me recomendou procurar a Ambiental, porque eles estariam investigando alguns desaparecimentos do tipo.
CORTA PARA:
CENA 22: INT. CASA DE BRUNO – SALA – DIA
Sofia e Adriel, em um sofá, ouvem Bruno, que está na poltrona de frente para a TV.
BRUNO
E então? Isso é verdade mesmo? A Polícia Ambiental está investigando desaparecimentos de cachorros na cidade?
SOFIA
Já não toda a Ambiental, só nossa Divisão de Investigações.
BRUNO
Meu Deus... Quando foi que isso começou?
SOFIA
O primeiro registro foi feito há pouco mais de 5 meses. Estimamos que mais de 100 cães sumiram de Manaus. Mas eu gostaria que você não se desesperasse, Bruno. Não há nenhuma evidência de que os bichinhos não estão vivos, nem mesmo que foram violentados.
Bruno assoa o nariz em um lenço.
BRUNO
Não me lembro de ter visto os jornais falarem algo sobre.
SOFIA
Pois é, lamentavelmente não estão dando a devida importância ao caso.
ADRIEL
Se chegar ao conhecimento de algum sensacionalista de fim de tarde isso certamente estoura. É receita pronta.
SOFIA
Você tem fotos do Pingo, Bruno?
BRUNO
Sim, de desde que ele era só uma bolinha de pelos...
Sofia sorri com tristeza.
SOFIA
Faz um favor, envia todas que tiver para o número que conversamos, tudo bem? Vai ajudar na identificação quando o encontrarmos.
Adriel olha para Sofia por um momento por causa do "quando o encontrarmos".
BRUNO
Claro... Mas como podem saber que o desaparecimento do Pingo está relacionado com esse caso que vocês estão investigando? Pode ter sido qualquer pessoa, alguém que viu ele e gostou...
ADRIEL
Mas você disse que tinha uma pista, não disse?
BRUNO
Bom, não sei se é uma pista, nem se é algo que realmente ajuda... Na verdade pode não ser nada.
SOFIA
Qualquer detalhe ajuda, Bruno.
CORTA PARA:
CENA 23: EXT. CASA DE FÁTIMA – RUA – DIA
Sofia e Adriel observam o relato de Bruno e analisam o local com o olhar.
BRUNO
Assim que eu saí na rua vi o furgão se distanciando. Perto daquela esquina. Não estava correndo, na verdade andava devagar. Era daqueles que alugam em festas pra vender salgado, doce, sorvete, essas coisas...
ADRIEL
Você conseguiu ver algum desenho, alguma figura pintada no veículo?
BRUNO
Era um furgão meio rosa... meio azul... não tenho certeza, estava longe, e era de noite... Na lateral devia ter o desenho de um menino e um sorvete... Se me lembro bem essa decoração é da Manda+ Sorvetes. Tudo isso se eu não tiver enganado. Se eu tivesse visto o furgão depois de ver a dona Fátima caída e o Pingo desaparecido, com certeza não saberia descrever nem o tamanho...
SOFIA
E essa sua vizinha? Estava caída no asfalto?
BRUNO
Não, bem na calçada, onde eu vi ela sentada quando estava chegando em casa. Ô dona Fátima, coitada... Eu tinha o costume de vez em quando de deixar o Pingo com ela até na hora de fechar tudo pra dormir. Tsc, passar por um negócio desse nessa idade...
SOFIA
Ela está bem, Bruno?
BRUNO
Agora tá melhor, eu visitei ela no hospital hoje bem cedo. Os enfermeiros disseram que ela teve princípio de convulsão com o mata-leão que deram nela. Que absurdo, quem faria uma coisa dessa com uma senhora?
SOFIA
Nós vamos visitá-la, assim que ela estiver em condições de falar.
ADRIEL
É, meu amigo, esse certamente não é um roubo aleatório de cachorro na rua.
SOFIA
Agora procure relaxar um pouco, tenta dar uma descansada, Bruno. Porque nós não vamos parar até ter esse caso resolvido e o seu Pingo de volta.
BRUNO
(choroso) Não posso relaxar... Não consigo... Não com ele por aí, nas mãos de sabe-se lá quem... Isso se já não tiver—
SOFIA
(interrompendo) Por favor, não diga isso. Nós vamos fazer de tudo pra trazê-lo de volta.
BRUNO
Isso pode demorar semanas, meses...
Sofia compreende Bruno.
SOFIA
Vamos manter contato, ok? Fique bem.
Sofia sai na direção do carro estacionado próximo dali seguida de Adriel, que antes passa a mão carinhosamente no braço de Bruno.
BRUNO
(chorando) Foi num dia chuvoso.
A dupla para no meio da rua.
BRUNO
Eu vi ele nascer. Eu vi o momento em que o Pingo chegou ao mundo.
Sofia e Adriel viram-se sem sair do lugar.
BRUNO
Os primeiros remexidos, os primeiros chorinhos... Foi quando começou a chover... E caiu uma gota bem no meio do meu nariz... um único pingo...
Bruno não resiste e desaba a chorar.
No pesar de Sofia,
CORTA PARA:
CENA 24: INT. RUA – CARRO – DIA
Sofia dirige.
ADRIEL
Eu entendo que ele está arrasado e tudo mais, mas só não acho que você deva dar esperanças ao rapaz.
SOFIA
Eu falei exatamente o que eu acho, Adriel. Não são falsas esperanças porque não tem nenhuma evidência de morte.
ADRIEL
Nem de que estão vivos. Não é verdade?
Sofia respira fundo.
SOFIA
Eu prefiro acreditar que estão. Além do mais, se mais de 100 cachorros morressem, alguma coisa que chamasse atenção pra isso apareceria por aí, mesmo que fora da cidade.
ADRIEL
Sofia, você sabe que há jeitos e jeitos de sumir com o que quer que seja sem deixar vestígios.
Sofia pensa por um instante.
SOFIA
É, tem razão... Tsc, não sei, Adriel, eu sou assim, falo para as pessoas exatamente o que... o que eu ach—
ADRIEL
(interrompendo) O que você quer.
Sofia o olha. Ela vê que a correção do parceiro está correta.
ADRIEL
O que você mais quer.
Adriel olha para a paisagem em movimento.
ADRIEL
Bom, vamos então torcer e trabalhar para não decepcionar nosso amigo.
SOFIA
Sim... Vamos.
ADRIEL
Veja bem, eu não quero ser pessimista, Sofia. É só a realidade...
SOFIA
Não, tudo bem, Adriel. Não se preocupe.
O carro encosta na calçada.
SOFIA
(apontando para perto dali) O ponto de táxi.
ADRIEL
Ah, claro... (tirando o cinto e abrindo a porta) Vou reunir tudo o que puder e levo amanhã cedo pra gente ver no escritório.
SOFIA
E então cruzamos com o que eu conseguir da dona Fátima. Certo. Boa sorte, Adriel.
Adriel sorri e sai.
CORTA PARA:
CENA 25: INT. BOTECO DE BRITINHO – DIA
Um tabuleiro de xadrez. Peças brancas à esquerda e pretas à direita. A mão da jogadora branca pega uma de suas peças, pronta para realizar um movimento. Ao fundo surge a silhueta desfocada de Sofia.
CLARA
E... Xeque-mate!
O jogo é desfocado e Sofia ao fundo entra em foco; ela está na entrada do boteco.
SOFIA
Poxa, Britinho, depois da última quarta-feira deixou a mãe te passar de novo?
CLARA
Sofia?!
BRITINHO (70 anos, magro, de uma personalidade meio apavorada e dono do boteco) é o jogador das peças pretas.
BRITINHO
(levantando-se) Ô, minha fia, mas sua mãe é campeã... Eu faço de tudo mas não tem jeito, com essa aí não dá não.
POMPEO
Dá sim.
Sofia adentra o boteco e Clara se levanta enquanto Britinho vai para trás do balcão - um ajuntamento de estufas de doces e salgados, um freezer e duas geladeiras de bebidas. As únicas pessoas ali são Britinho, Clara e POMPEO (40 anos, andarilho da região), esse sentado sozinho em uma mesa no canto, já afetado pelo álcool.
SOFIA
Parece que o Pompeo quer uma partida com a senhora, mãe.
POMPEO
Olha bem, não foi exatamente issu quieu quis dizê...
CLARA
Deixe ele, a gente ainda se encontra pelos tabuleiros. Mas o que faz aqui, minha filha?
Mãe e filha beijam-se no rosto.
SOFIA
Ah, estava passando por perto e resolvi dar um pulo pra comer aquele bolo de laranja especial do Britinho. Hoje a dieta vai pro espaço, não dá pra esperar o horário do almoço não. Tem aí, né Britinho?
BRITINHO
(limpando um copo) Tem, minha fia, já pego pra você.
CLARA
Como se dois pedaços de bolos fossem fazer mal à dieta de uma vegana.
SOFIA
Mãe...
CLARA
(retratando-se) Vegetariana. Ah, é quase a mesma coisa...
SOFIA
Veganismo tá mais pra um estilo de vida, (apertando a bochecha de Clara de leve) e é um pouco mais radical que sua filha diferentona.
CLARA
O que é uma tarefa bem complicada, convenhamos.
SOFIA
E um tanto surreal pra mim. Enfim, a maioria também pensa isso de mim, então... deixa eu continuar desfrutando dessa maravilha que é o bolo de laranja.
CLARA
Você gosta do bolo que eu faço, mas sei que nem se compara com o do Britinho.
POMPEO
(para Britinho) Manda masuma garrafa aí, irmão.
BRITINHO
Já vai, já vai...
CLARA
É a cobertura? Aquela casquinha fina e úmida né...
SOFIA
Tá enciumada, dona Clara? Ora...
CLARA
Tsc ah, para de besteira, Sofia. Vamos, senta aí, vai.
Clara coloca o tabuleiro em uma mesa ao lado e puxa a cadeira para Sofia.
SOFIA
(sentando) Ê, mãe...
CLARA
(sentando) Você não tá em horário de serviço não?
SOFIA
Sim... Estamos trabalhando em uma investigação. Cachorros estão sumindo das ruas de Manaus. Apesar da dimensão do caso eu não ficaria surpresa se a senhora não tiver ouvido nada a respeito.
CLARA
De fato, nenhum burburinho.
POMPEO
Cachorro sumido?
Sofia olha para Pompeo.
SOFIA
Sabe de alguma coisa, Pompeo?
Britinho traz o bolo de laranja de Sofia em um pratinho.
POMPEO
A cachorra da dona Maria lá de cima sumiu tem uns quase dois mesus... Desde disso a netaiada dela é uma tristeza que só, visse... Não comem direito, é insônia de noite... Mas osu pior é asistória que aqueles curumim conta.
SOFIA
O que que eles falam?
Britinho deixa a garrafa na mesa de Pompeo.
POMPEO
Juram de pé junto, assim!, que viram uma criatura preta dos demonho roubando a cachorra e correndo pra rua.
CLARA
Criatura preta?
POMPEO
É o que aqueles meninu fala. A família da dona Maria não crê nissu não, visse, nem a própria dona Maria a bem da verdade. Mas criança sabe comu é né? São puras demais e a mentira delas não prevalece por muito tempo, e eu, pra ser sincero com as senhoras, creio neles.
CLARA
Foram eles mesmo que te contaram isso?
SOFIA
Não foi a cervejinha não, Pompeo?
POMPEO
Não, não foi a cerveja não, dona Sofia. Eu tô limpo. Tem já quase uma semana, eu juro pras senhoras. Tô vencendo o árcol! O Britinho sabe, não é Britinho?
Britinho olha sem graça de Pompeo para a garrafa que acabou de colocar em sua mesa.
POMPEO
(com sorriso maroto) Ah, essa aqui foi de comemoração, sabe cumu é né... Mas é a primeira em seis dias! Um recorde...
SOFIA
Certo... Parabéns, eu acho...
Sofia e Clara trocam olhares sobre Pompeo, que levanta a garrafa para elas.
CLARA
(para Sofia) E o seu parceiro, o Adriel? Não o convidou pra conhecer o boteco?
SOFIA
Ele foi investigar uma pista que conseguimos.
BRITINHO
Tá bom o bolo, dona Sofia?
SOFIA
Divino, Britinho! Como sempre!
BRITINHO
Quer alguma bebida, alguma coisa pra acompanhar? Um guaraná...
SOFIA
Um suco de cupuaçu tá ótimo! (para Clara) E a senhora? Veio por causa da biblioteca?
CLARA
Uhum. Mas não vim sozinha não. Alguém me ligou e me encontrou na cidade.
SOFIA
É mesmo? E quem é? Por acaso finalmente arranjou um namorado? Cadê ele?
Enquanto vemos Sofia, ao fundo a porta do banheiro se abre e um homem sai de dentro guardando o celular no bolso. É FÁBIO (32 anos, alto, moreno e bigodudo), o noivo de Sofia.
Sofia percebe o olhar de sua mãe e vira a cabeça para ver também. Põe-se de pé.
SOFIA
Fábio?
FÁBIO
Oi, amor.
Fábio sorri.
CORTA PARA:
CENA 26: EXT. SORVETERIA – CALÇADA – DIA
Um táxi para em frente à sorveteria Manda+ Sorvetes e Adriel desce. Olha a fachada do prédio, os arredores e entra.
CENA 27: INT. SORVETERIA – DIA
Adriel passa pela porta e adentra o salão. Não há nenhum cliente nas mesas e o ATENDENTE (23 anos) atende uma SENHORA (60 anos) no balcão.
Determinado a esperar a senhora sair, Adriel caminha descompromissadamente olhando os móveis, equipamentos e a decoração em harmonia com a arte do furgão das cenas 17 e 18.
Mas conforme Adriel se aproxima da cliente e do atendente, o diálogo entre eles vai ficando mais audível. Percebemos que o funcionário já não olha para a mulher, apenas conta um maço de dinheiro e faz anotações em um caderno.
ATENDENTE
...pra senhora que não.
SENHORA
Mas meu filho, eu contei certinho... Foi 20 que eu te dei.
ATENDENTE
Não, não, tem conversa não. Já passei pra senhora seu troco certo.
SENHORA
Eu não estou mentindo, meu filho... Não teria porque fazer isso...
Adriel presta atenção na conversa sem olhar para eles; finge analisar um cardápio.
ATENDENTE
(terminando a contagem de um maço) Não, já passei seu troco. Tem nada errado. A senhora tem que contar direito seu dinheiro.
A senhora expira frustrada.
SENHORA
Então chama o gerente, por favor.
ATENDENTE
(escrevendo no caderno) Ele não tá.
SENHORA
Como não tá?
ATENDENTE
Não tando. Nesse momento eu sou o gerente.
O atendente olha para a senhora.
ATENDENTE
E acabei de finalizar seu caso. Tá tudo certo. Pode ir.
A senhora, enrubescida de raiva, gira nos calcanhares e vai embora pisando firme enquanto o atendente volta a escrever em seu caderno ignorando a presença de Adriel, que larga o cardápio e vai para o balcão, onde estava a senhora.
Adriel permanece em pé na frente do atendente por uns 3 segundos até pigarrear.
ATENDENTE
(sem erguer a cabeça) Pois não?
Adriel permanece calado. Então se aproxima mais do balcão e pega seu distintivo. Mostra para o atendente (que ainda não o olha) tampando com o dedo a palavra "Ambiental", deixando visível apenas "Polícia".
ADRIEL
Gostaria de saber se vocês tem esse sabor.
ATENDENTE
Já olhou o cardápio?
ADRIEL
Você já?
O atendente finalmente olha com má vontade. Ao ver o distintivo ele paralisa.
ADRIEL
(retirando o dedo de cima de “Ambiental”) E quem sabe com esse acompanhamento.
O atendente olha confuso do distintivo para o rosto de Adriel.
ADRIEL
Que foi? É gozado pra você esse acompanhamento? Doce demais? Acha que ameniza o toque amargo e intimidador que teria caso fosse apenas "Polícia", "Polícia Federal", "Polícia Civil" ou então "BOPE"?
ATENDENTE
Eu... não...
ADRIEL
Você, você... Você o quê?
O atendente gagueja mas não fala palavra alguma.
ADRIEL
Você não sei, mas gostando ou não é o meu distintivo. Sou eu. Sabe há quanto tempo estou com ele?
O atendente faz que não devagarinho.
ADRIEL
Nem duas semanas. Novo em folha, veja como ainda brilha.
O atendente olha o distintivo desajeitadamente.
ADRIEL
Viu? Mas se eu te contar que não me importaria nadinha se tiver que sujar ele esfregando na cara de ladrões de senhorinhas e funcionários mal educados...
O atendente continua parado e assustado. Adriel saca seu revólver.
ADRIEL
E tá vendo isso aqui?
O atendente arregala os olhos.
ADRIEL
Também foi a Ambiental que me cedeu. Zerada! Nem um disparo. Mas aposto que se eu apontar ela pra cabeça de vagabundo e puxar o gatilho não vão sair insetinhos ou pétalas de rosas daqui.
ATENDENTE
Eu... Co-Como posso ajudar o senhor?
Adriel sorri amigavelmente e guarda sua arma e o distintivo.
ADRIEL
(com semblante alegre) Tudo isso é só pra te convidar pra um papo amigável numa dessas belas mesas de mármore. Pode me acompanhar? Por favor?
Adriel sorri amigavelmente de novo.
CORTA PARA:
CENA 28: INT. BOTECO DE BRITINHO – DIA
Sofia e Fábio estão sentados em outra mesa, de frente um para o outro. Ela está com seu celular na mão.
SOFIA
(passando no WhatsApp as mensagens que enviou para Fábio) Várias, Fábio! Várias mensagens enviadas, entregues, lidas, mas nenhuma resposta! Nem um mísero “ok” sequer! Poxa, que que tá acontecendo?!
FÁBIO
Já te falei, amor, meu chefe não gosta de funcionário no celular. Um colega já foi até demitido por excesso de uso.
SOFIA
Mas não te peço excesso, Fábio. Tudo que você precisa fazer é me responder, nem que seja um "depois te ligo".
FÁBIO
Desculpa, amor. Eu estava cansado, estressado... Problemas no trabalho... Quando cheguei em casa, de tão exausto... nem lembrei de pegar em celular, amor. Estava sem ânimo nenhum.
SOFIA
Acontece que isso não é de anteontem ou ontem, Fábio. Semanas! Há semanas isso já vem acontecendo, e eu simplesmente não consigo entender, não me entra na cabeça o que você pensa pra me ignorar dessa forma! Se você pudesse me dar uma explicação minimamente razoável...
Fábio pega as mãos de Sofia.
FÁBIO
Sofia/
Clara chega ali.
CLARA
(interrompendo) Com licença, crianças. Eu já tô de saída, tá Sofia?
SOFIA
Já, mãe?
CLARA
Sim, tenho que encontrar as meninas da biblioteca, combinamos pra daqui a pouquinho. Você tem carona, Fábio?
FÁBIO
Pode deixar, eu chamo um Uber.
CLARA
Certo. Então beijo, filha.
Clara beija Sofia.
SOFIA
Se cuida, mãe.
CLARA
Tchau, Fábio. Juízo vocês dois, hein!
FÁBIO
Pode deixar, dona Clara!
CLARA
Mais tarde passo aí, Britinho!
BRITINHO
Até mais, dona Clara.
Clara acena para Pompeo e sai. Sofia e Fábio voltam a se encarar.
FÁBIO
Escuta, Sofia, eu sei que eu errei com você, meu amor. Confesso... Reconheço que tenho estado ausente ultimamente.
SOFIA
Poxa, Fábio, eu sou sua noiva! Nós vamos nos casar! Como manteremos um matrimônio se não houver um mínimo de comunicação?! Desse jeito você... me faz imaginar coisas... terríveis!
FÁBIO
Nem pense isso de mim, Sô! Posso estar errado em muita coisa, mas só tenho olhos pra você! É com você que quero passar o resto da minha vida! Meu amor, meu mundo, meu tudo!
SOFIA
Então me ajuda, amor, me ajuda a não ter motivos pra pensar essas coisas...
FÁBIO
Tá bom. Me desculpa? Eu prometo que vou mudar. (acariciando o rosto dela) Vou me dedicar mais à minha noivinha linda.
SOFIA
Como nos velhos tempos? Namorar por telefone até tardão?
FÁBIO
(sorrindo) Ou até a sua bateria acabar.
Sofia ri.
SOFIA
Ela é uma porcaria!
FÁBIO
Eu que sei...
SOFIA
(mais baixinho; inclinando para Fábio) Ah, amor, sabe que eu te amo, né? Sou louca, louca por você!
FÁBIO
Te amo.
Sofia e Fábio aproximam-se mais até seus lábios se encostarem e trocam um suave e apaixonado beijo. Pompeo, de sua mesa, assiste o ato do casal.
POMPEO
(olhando para cima) Oh, minha padroeira, quando eu também vou ter uma pitanguinha pra dar uns amassos?...
FÁBIO
E pra mostrar que já comecei as mudanças, vou te levar pra jantar. Amanhã à noite, no seu restaurante preferido.
SOFIA
Sério? O Paradise?!
FÁBIO
Tem algum outro lugar novo de sua preferência?
SOFIA
             Não! O Paradise! Lá é tudo que eu preciso!
FÁBIO
Ótimo.
SOFIA
Obrigada! Mas agora... Preciso ir. Tenho muito o que fazer no escritório e ainda preciso visitar uma testemunha no hospital.
FÁBIO
E o seu... novo... parceiro?
SOFIA
(levantando e juntando suas coisas) O Adriel? Que tem ele?
Sofia disfarça um rapidíssimo olhar para Fábio.
FÁBIO
Deve ser o parceiro dos sonhos. Digo... capturou Matias Paraná...
SOFIA
É muito competente, sim. E leal.
FÁBIO
E vocês estão... naquela mesma sala...
SOFIA
Sim, a que era do Marcos e minha. Durante todo o tempo trabalhando. Não entendo o que você quer dizer com isso...
Fábio respira fundo.
FÁBIO
Nada. Nada, amor. Espero que... se deem bem no trabalho.
SOFIA
Ótimo.
Sofia aproxima-se mais de Fábio.
SOFIA
Porque do nosso passado, senhor Fábio, quero reviver apenas os bons momentos, o k ? (beija-o) Não se preocupe. (beija-o) Eu te amo. (beija-o) E à noite quando chegar vou te ligar (beija-o). Me atenda.
Sofia sai. A câmera permanece em Fábio, encarando a noiva pensativo. Ao fundo ouvimos Sofia pagar Britinho.
POMPEO
Viu dona Sofia, precisando diarguma ajuda a mais, só chamar quieu tô asordes!
SOFIA
Obrigada, Pompeo!
Sofia parte. Fábio sai de seu transe reflexivo, levanta-se e caminha em direção à saída, mas desvia a rota para a mesa de Pompeo, que encara sua garrafa de cerveja.
FÁBIO
(batendo no ombro de Pompeo) E i . Amigo. Fique longe da Sofia, tá bom? Minha noiva.
Pompeo olha e Fábio vai embora. Pompeo, confuso, olha para Britinho, que dá de ombros.
CORTA PARA:
CENA 29: INT. SORVETERIA – DIA
Adriel - com as pernas em cima da mesa enquanto toma sorvete no pratinho - e o atendente - tenso e mantendo as mãos no colo - dialogam.
ATENDENTE
Foi como eu falei pro senhor, o chefe descobriu que ele estava pegando dinheiro do caixa e prometeu pegar ele de jeito.
ADRIEL
E aí o X-9 aqui foi ajudar o amiguinho.
ATENDENTE
Mas da forma que o chefe falou, furioso do jeito que estava, eu pensei que ele ia bater, espancar, ou pior... Eu não tinha entendido que seria só uma demissão. Então alertei ele e o cabra sumiu.
ADRIEL
E junto o tal furgão.
ATENDENTE
Ele ia nos eventos com o furgão da firma, nós prestamos esse serviço. Quando eu contei pra ele, ele tinha acabado de sair de um aniversário. Ficou tão desesperado que nem passou na firma. Noiada isso, porque ficou com acusação de roubo amarrada no rabo também. Bicho ignorante.
Adriel tira as pernas de cima da mesa.
ADRIEL
Qual o nome desse ex-funcionário?
CORTA PARA:
CENA 30: FLASHFORWARD: INT. CASARÃO – HALL DE ENTRADA – DIA
Uma porta se abre e Adriel entra no hall, um local escuro e sem nenhuma decoração. Em frente há as escadas.
FUSÃO COM:
ATENDENTE (V.O.)
Eu vou falar pro senhor, mas acho que não vai adiantar de muita coisa não, porque a polícia foi atrás dele na época, investigou, fez todas as bagulheira que o senhor sabe, mas o bicho desapareceu. Revistaram a casa dele até quase deixar de pernas pro ar, mas nem rastro.
CENA 31: FLASHFORWARD: CONT. – INT. ESCADAS – DIA
Adriel sobe as escadas olhando lá para cima com atenção. Sons distantes de crianças.
FUSÃO COM:
ADRIEL (V.O.)
O nome.
ATENDENTE (V.O.)
É Abílio. Abílio Dutra.
CENA 32: FLASHFORWARD: CONT. – INT. CORREDOR – DIA
Adriel caminha pelo corredor igualmente escuro. Há muitas portas dos dois lados, cada uma de um apartamento. Ao passar por elas ele ouve sons de pessoas, animais, objetos, televisão...
FUSÃO COM:
ADRIEL (V.O.)
E você vai facilitar meu trabalho arranjando o endereço dessa casa abandonada do Abílio no sistema da empresa, não vai?
ATENDENTE (V.O.)
Claro, o que o senhor precisar...
Ao chegar no apartamento 13, Adriel para, olha para os dois lados dos corredores e arromba a porta com um chute; entra.
CENA 33: FLASHFORWARD: CONT. – INT. APARTAMENTO ABANDONADO – DIA
Adriel analisa todos os cômodos, cada canto e móvel esquecido ali. Nada além de pó e teias de aranha.
CORTA PARA:
CENA 34: INT. SORVETERIA – DIA
ADRIEL
E quanto a você? O que devo fazer a respeito?...
ATENDENTE
Eu... Pode crer que eu não vou dedar pro Abílio não, senhor. Não nos falamos desde o dia que ele sumiu do mapa, não faço a menor ideia de onde o cabra se enfiou.
ADRIEL
Eu acredito. Mas me refiro à sua clientela, parece que não andam satisfeitos com o atendimento.
O atendente muda o semblante e não sabe o que falar.
CORTA PARA:
CENA 35: FLASHFORWARD: INT. CASARÃO – APARTAMENTO ABANDONADO – DIA
Em um dos quartos, já suado e quase desistindo da busca, Adriel percebe um pedaço minúsculo de tecido preto no assoalho de madeira, entre a perna da cama e a do criado-mudo. Franze o cenho e se agacha para ver melhor. Toca o material.
FUSÃO COM:
ADRIEL (V.O.)
Vamos fazer um combinado: você vai tratar cada cliente que passar por aquela porta como se fosse a rainha da Inglaterra, e como se todo o resto da sua carreira - cada ano, cada dia, cada segundo de salário - dependesse daquela pessoa que chega até você com a testa brilhando de suor e a boca salivando com os pôsteres lá de fora, e diz: "Oi, moço. Me vê um cascão coberto de chocolate com duas bolas, sendo uma de morango e outra de macaxeira".
Então Adriel começa a puxar a madeira do assoalho, que se quebra. Por fim ele a arranca por completo e vê que o pedaço minúsculo de tecido na superfície é parte de um pano maior, preso dentro do assoalho. Adriel o retira e analisa. Trata-se de uma toca preta, confeccionada amadoramente. Está rasgada e há apenas um buraco de olho e um de nariz.
FUSÃO COM:
ATENDENTE (V.O.)
Senhor... macaxeira? Sorvete de macaxeira?
ADRIEL (V.O.)
Ora, qual o problema? Vocês não comem aqui na Amazônia, não é típico daqui? Ou você é fresquinho e não gosta?
ATENDENTE (V.O.)
Me desculpa perguntar, senhor, mas de onde o senhor é?
Som de respiração de Adriel.
ADRIEL (V.O.)
São Paulo...
ATENDENTE (V.O.)
Não, maninho, macaxeira é o que vocês chamam de mandioca. A não ser que lá no sudeste já tão fazendo, mas sorvete de mandioca não existe não. Aqui nós não vendemos e eu nunca nem vi.
No olhar sério de Adriel para a toca,
CORTA PARA:
CENA 36: INT. SORVETERIA – DIA
ADRIEL
Certo, certo, não vamos perder tempo com bobagens. Espero que tenha entendido o que eu disse.
ATENDENTE
Sim, sim, eu entendi sim, senhor. Pode ficar sossegado.
ADRIEL
Porque eu vou fazer rondas por essa região de vez em quando, tá entendendo? Nunca se sabe quando eu poderei estar estacionado do outro lado da rua observando a expressão dos clientes que saem daqui.
ATENDENTE
Ce-certo, senhor.
ADRIEL
E se você mudar de emprego, eu vou junto.
ATENDENTE
Entendido, senhor. Essa sorveteria terá a clientela mais satisfeita de Manaus, pode acreditar.
ADRIEL
Ótimo, meu camarada. Conto contigo.
Adriel coloca a colherzinha de plástico no pratinho sujo, levanta-se e caminha para a saída. O atendente, meio nervoso e meio confuso, olha do pratinho sujo para Adriel.
ATENDENTE
Se... Senhor...
Adriel está abrindo a porta. Para e olha para trás.
ADRIEL
Sim?
O atendente indica o pratinho sujo com nervosismo.
ATENDENTE
Eu preciso... completar o caixa. O chefe me mataria se—
ADRIEL
(interrompendo) V o c ê n ã o p e g o u dinheiro a mais daquela senhora? Tenho certeza que o excedente pode cobrir minha despesa.
Adriel pisca para o atendente e sai.
Na frustração do atendente,
CORTA PARA:
CENA 37: EXT. FAZENDA FAMÍLIA DE BENJAMIN – PORTEIRA DE ENTRADA – DIA
Bolacha (4 anos), sentado do lado de fora do terreno cercado, observa o ônibus escolar aproximando-se pela estradinha de chão. Lotado pela metade, crianças animadas olham pelas janelas.
Ao parar próximo de Bolacha, o ônibus abre a porta e Benjamin (8 anos) desce. O cão o recebe com um latido e o garoto abraça seu amigo.
BENJAMIN
Bolacha!
A porta se fecha e o ônibus parte dando meia volta enquanto algumas das crianças acenam para Benjamin. Mas ele não os responde a altura, limita-se a um discreto aceno de mão.
BENJAMIN
Bora, Bolacha.
Benjamin abre a porteira e eles entram.
CENA 38: CONT. – INT. CASA – VARANDA – DIA
Lúcia (44 anos) está confeccionando queijos em uma mesa grande quando vê o filho chegando à varanda com Bolacha.
LÚCIA
Chegou o meu lindão.
Benjamin e Bolacha entram.
BENJAMIN
Oi, mãe.
LÚCIA
(abraçando o filho) Oi, meu amor. Como foi a aula?
BENJAMIN
Normal.
Carlos (49 anos) entra.
CARLOS
E aí, filhão? Beleza?
Carlos dá um abraço lateral em Benjamin.
CARLOS
Sabe quem veio te visitar?
BENJAMIN
Hum.
CARLOS
A Sara.
Carlos aponta uma cadeira no canto onde está SARA (8 anos). A menina levanta-se timidamente.
SARA
Oi, Ben.
Benjamin sorri desanimadamente.
CARLOS
A mãe dela deixou ela faltar aula hoje pra brincar com você à tarde. O que acha?
BENJAMIN
Eu tenho tarefa pra fazer.
Benjamin começa a andar em direção à porta da casa.
LÚCIA
Filho.
Benjamin para.
BENJAMIN
O quê, mãe?
Lúcia aponta Sara com a cabeça.
BENJAMIN
Depois eu venho. Vem, Bolacha.
Benjamin e Bolacha saem da varanda e entram na casa.
Na preocupação de Carlos e Lúcia e na decepção de Sara,
CORTA PARA:
CENA 39: INT. SALA DE DEPÓSITO – DIA
Não é uma sala muito grande, mas bastante suja e mal iluminada. Dezenas de gaiolas empilhadas pelas paredes aprisionam um número de cachorros vira-latas muito acima de sua capacidade, a ponto de alguns deles permanecerem em pé todo o tempo sem conseguir mover uma única pata. Esses são os cães desaparecidos de Manaus!
Uma porta se abre e entra ABÍLIO (17 anos, cabelos loiros e desgrenhados), embora ainda não saibamos que é o próprio.
Abílio caminha até a gaiola mais próxima, e por uns segundos observa os animais. Apesar de mais de 100 cachorros estarem ali, não se ouve praticamente nenhum latido. Seus semblantes são de tristeza, abatimento; alguns tremem, outros choram.
Abílio respira fundo. Não parece gostar do que vai fazer. Então começa a abrir as gaiolas, uma por uma.
ABÍLIO
Vamos. Vamos. Todos, vamos. Bora. Tá na hora. Vamos.
CORTA PARA:
CENA 40: INT. GALPÃO – DIA
É um galpão bem maior e melhor iluminado pela luz do dia que a sala anterior. Protege uma quadra de areia, como uma arena de rodeio.
Abílio vem de um corredor guiando a centena de cães tristonhos; entra no galpão e abre o portão baixo do cercado de areia para que os animais passem.
ABÍLIO
Vamos, venham, vamos! Vem, vem, entra!
Próximo dali, um funcionário, ZÉ (50 anos), limpa uma pá suja de areia. Aos seus pés há algumas embalagens plásticas.
ABÍLIO
Já colocou todo o estimulante, né Zé?
Já sim, patrão Abílio! Tudo pronto!
ABÍLIO
Obrigado.
Os cachorros se espalham pela quadra cheirando a areia. Um deles já demonstra resultado e urina.
No desconforto de Abílio,
CORTA PARA:
CENA 41: INT. GALPÃO – DIA – MOMENTOS DEPOIS
No lado de fora do cercado de areia, cada cão recebe uma pequena porção individual de comida. Alguns comem, uns terminam rápido demais ainda claramente famintos, e outros cheiram mas, dado o nível de tremor corporal, não conseguem nem mastigar.
Um vira-lata vomita.
CORTA PARA:
CENA 42: INT. SALA DE DEPÓSITO – DIA
Com os cachorros de volta às suas gaiolas, Abílio passa com uma mangueira jogando água em todos.
CORTA PARA:
CENA 43: INT. CASA DE ADRIEL – BANHEIRO – NOITE
Adriel, de frente para o espelho, faz o nó de sua gravata enquanto conversa com Roberto pelo Skype do celular colocado na pia.
ROBERTO (O.S.)
E o que que você tinha que se envolver no caso do Geraldo, hein Adriel?! Francamente, às vezes parece que você não tem um pingo de juízo!
ADRIEL
Mas já te falei que isso já tá resolvido! O próprio tenente Osvaldo garantiu que iria abafar meu envolvimento; gostei dele. Se bem que contar pro senhor não foi uma boa ideia. E o senhor também não precisa ficar lembrando disso toda hora, tenente.
ROBERTO (O.S.)
Mas você percebe que sua vida anda sendo uma sequência de tropeços, Adriel?! É impressionante! Primeiro o Paraná, depois se envolve num caso desses extraoficialmente!
ADRIEL
Prender o Paraná foi um erro? É isso que o senhor acha agora? Publique um vídeo falando isso, então, e se prepara pra virar meme no dia seguinte, no mínimo! E além do mais, o que que o senhor pensa de verdade, han? Porque na comemoração com os colegas faltou me carregar no colo entre a multidão.
Terminado o nó da gravata, Adriel ajeita o cabelo com as mãos.
ROBERTO (O.S.)
Eu reconheço o bom resultado alcançado pela sua ação, mas isso não faz com que ela deixe de ser uma ação impensada, arriscada e irresponsável. Eu te disse na ocasião que devia fazer com que a informação do paradeiro do Paraná chegasse à Federal. Os Direitos Humanos estão furiosos! Isso não é um faroeste, Adriel. Há regras a serem seguidas, normas a serem cumpridas!
ADRIEL
Pro inferno com os Direitos Humanos! Quando não estão defendendo bandido estão planejando o próximo discurso hipócrita. Sinceramente, senhor, esse papo de colocar a burocracia na frente do que é certo me enche! Me dá náuseas!
Adriel sai do banheiro.
CENA 44: CONT. – INT. QUARTO – NOITE
Adriel entra no quarto.
ROBERTO (O.S.)
Então por que você entrou pra Polícia?
Uns segundos de silêncio.
ADRIEL
Justamente pra fazer o que é certo. (vestindo o paletó) Ajudei a colocar aquele assassino na cadeia, e estou muito satisfeito por isso. Erro de verdade, tenente, foi me mandarem pra esse fim de mundo.
ROBERTO (O.S.)
Chega de conversa. Já tá na hora. Sente-se logo.
Adriel vai até a mesa do notebook (já ligado) e transfere a conversa com Roberto do celular para o computador. E senta.
ADRIEL
Pode falar sobre trâmites idiotas pela tela do meu notebook, agora.
ROBERTO (O.S.)
O conselho mandou mensagem, já estão prontos. Vou te enviar e já começamos. Ajeita a postura, fica reto. Isso. Vem um pouco mais pra frente. Tá bom. Não se esqueça: ao menos finja que está arrependido, isso vai facilitar sua vida com o conselho.
CORTA PARA:
CENA 45: MONTAGEM: CONT. – INT. QUARTO – NOITE
Trechos do interrogatório de Adriel. Na tela do notebook as imagens de webcam de Roberto e dos membros do conselho, homens e mulheres.
Adriel responde as perguntas e conta sua versão tentando camuflar seu descontentamento. De vez em quando Roberto disfarça um sinal para que Adriel ajeite alguma coisa ou fique em silêncio.
Na finalização da montagem:
CENA 46: CONT. – INT. QUARTO – NOITE
MEMBRO FEMININO (O.S.)
E o senhor tem ciência de que sua operação não autorizada custou a vida de duas pessoas e deixou outra em estado crítico?
Adriel observa a mulher por dois segundos e, olhando para baixo, sorri com o canto da boca.
ADRIEL
Três bandidos.
Pequena pausa. Roberto franze o cenho, mas Adriel não está olhando.
ADRIEL
Era um tiroteio.
Adriel olha de volta para a tela.
ADRIEL
Eles começaram a atirar, como eu lhes contei. Nosso objetivo era capturar o Paraná, e não conseguiríamos fazer isso sem nos proteger e revidar. Pra isso usamos os recursos disponibilizados pelo Estado. Não sei se é difícil de acreditar, mas nosso objetivo não era matar ninguém, nem mesmo o Matias Paraná. Se fosse assim eu o teria feito quando o tinha a centímetros da minha arma. Cada disparo feito naquela operação não foi leviano, foi necessário para cumprir nosso juramento como policial militar de São Paulo, quando prometemos defender a pátria com o sacrifício da própria vida.
MEMBRO MASCULINO (O.S.)
O juramento também promete cumprir rigorosamente as ordens das autoridades.
Adriel não responde.
MEMBRO MASCULINO 2 (O.S.)
Sargento Adriel, o senhor poderia deixar mais claro qual é a sua opinião sobre o estado das vítimas da operação encabeçada pelo senhor e mencionadas por minha colega?
Adriel abre a boca para responder, mas para. Então relaxa o corpo na cadeira, ficando à esquerda de sua webcam.
ROBERTO (O.S.)
Sargento Adriel, aproxime-se mais para sua esquerda, por favor.
Adriel mexe a boca como se estivesse falando, porém não emite som algum. Gesticula bastante. Os membros do conselho estranham.
ROBERTO (O.S.)
Adriel? Adriel, o que está acontecendo? Não estamos te ouvindo!
MEMBRO FEMININO 2 (O.S.)
Pode nos ouvir, sargento Adriel?
Adriel continua o fingimento. Faz careta como se não estivesse entendendo o que está acontecendo, olha a webcam de perto, finge digitar coisas e continua a mexer a boca.
MEMBRO MASCULINO (O.S.)
Pode ser a internet dele.
MEMBRO MASCULINO 2 (O.S.)
Aqui está tudo certo.
ROBERTO (O.S.)
Adriel? Pode me ouvir, Adriel?
Longe do alcance da webcam, Adriel leva sua mão até o botão do notebook e o desliga. Relaxa na cadeira novamente e expira forte.
ADRIEL
Que palhaçada...
CORTA PARA:
CENA 47: INT. FAZENDA FAMÍLIA DE BENJAMIN – CASA – SALA – NOITE
Benjamin, deitado no chão com a cabeça no corpo de Bolacha, joga com o olhar fixo na TV.
Ao fundo Carlos passa e, ao notá-los, para pra observá-los admiradamente. Em seguida continua seu caminho.
Na parceria física de Benjamin e Bolacha,
CORTA PARA:
CENA 48: CONT. – INT. VARANDA – NOITE
Carlos sai da casa e entra na varanda quando vê EUGÊNIO (48 anos e cabelos escuros e desgrenhados) vindo do quintal.
CARLOS
Eugênio? (não tão contente) Que surpresa, homem...
EUGÊNIO
Dá licença. Desculpe a hora que eu tô aparecendo aqui, Carlos. As coisas lá na sede tão uma correria que só, e esse foi o único horário livre que consegui pra vir até aqui. Você tem um minuto?
CARLOS
(andando pela varanda) Um minuto eu até tenho, homem, mas... É sobre o que eu acho que é?
Eugênio dá um discreto sorriso.
EUGÊNIO
(entrando mais na varanda) Eu dobrei o valor, Carlos. E com ajuste de inflação desde minha última proposta.
CARLOS
A questão não é o dinheiro, Eugênio. Eu preciso da Fiorino! Como vou levar os queijos pra vender na cidade sem ela?
EUGÊNIO
É só usar o dinheiro que eu te pagar e comprar outra nova.
CARLOS
Se me lembro bem eu já te disse que essa Fiorino também tem um valor sentimental. Foi o presente do meu sogro antes de morrer, Eugênio. (pequena pausa) D e s c u l p e a intromissão, vizinho, mas por que você mesmo não compra uma nova na cidade?
EUGÊNIO
(leve sinais de irritação) T á desculpado.
Carlos franze o cenho levemente.
EUGÊNIO
Papelada, burocracia, coisas que só atrasam a vida de um empresário. Eu gostaria que fizéssemos esse negócio e ficasse só entre nós. Te passo a grana e você me passa as chaves da Fiorino. Simples assim.
CAARLOS
Não, não seria simples, Eugênio. A gente teria que passar pela burocracia do mesmo jeito, afinal o carro está no meu nome.
EUGÊNIO
(respirando fundo) Entendo.
CARLOS
O vizinho vai me perdoar, mas não poderei realizar essa venda. E essa é minha resposta definitiva. Mas, novamente com o perdão da intromissão, porque você quer tanto essa Fiorino?
Eugênio levanta as sobrancelhas como se escolhesse as palavras, mas nesse momento Benjamin e Bolacha entram na varanda.
BENJAMIN
Pai, o senhor viu a mãe?
CARLOS
Cumprimente o vizinho Eugênio, filho.
Benjamin aproxima-se timidamente de Eugênio.
BENJAMIN
Boa noite, senhor Eugênio.
EUGÊNIO
(passando a mão na cabeça de Benjamin) Boa noite, garoto.
Por uns segundos Eugênio olha curiosamente para Bolacha.
CARLOS
Espero que minha recusa não abale nossa boa convivência, Eugênio.
Eugênio olha de Bolacha para Carlos e de volta para Bolacha.
EUGÊNIO
(dissimulado) Não, claro que não, Carlos.
Benjamin nota Eugênio observando Bolacha.
No olhar calculista de Eugênio,
CORTA PARA:
CENA 49: EXT. MANSÃO FAMÍLIA DE DUDU – QUINTAL – NOITE
A câmera percorre o quintal da mansão da família que adotou DUDU, o vira-lata amarelado resgatado das ruas por Sofia no início do primeiro episódio. Em um canto do muro com cerca eletrificada, e próximo à piscina, está sua casinha, toda pintada e com uma plaquinha em cima da entrada: "DUDU". O próprio Dudu dorme tranquilamente lá dentro.
De repente as poucas luzes acesas no quintal desligam. Dudu permanece dormindo.
Um par de mãos com luvas negras surge do lado de fora do muro, e em seguida seu dono aparece: é a figura de preto que sequestrou Pingo. Usando um alicate, o sequestrador começa a cortar pedaços grandes dos fios da cerca já sem energia e os joga do lado de fora. Após, pula o muro e cai no gramado de mal jeito.
Em função da dor ele tira a toca para respirar, e então vemos quem está por abaixo: Abílio Dutra!
Em sua casinha Dudu abre o olho. Levanta a cabeça e observa seu campo de visão.
Abílio recoloca a toca e, escondido atrás de um arbusto, observa o quintal.
ABÍLIO
Continuem dormindo...
Abílio avança pelo quintal.
Dudu, desconfiado, levanta-se, sai da casinha e começa a andar nas proximidades. Para, olha, cheira, olha para outro lado e anda.
Abílio chega em um ponto onde, apesar da pouquíssima luz, consegue ver Dudu. No entanto, nesse momento ele pisa em um graveto que se parte. Atraído pelo barulho, Dudu muda o rumo e vem na direção de Abílio.
ABÍLIO
(baixinho, enfiando a mão no interior da capa) Droga, devia estar dormindo, cachorro!
Dudu vem correndo pela escuridão já tendo o invasor no alvo. Abílio retira sua arma de dardos tranquilizantes apavoradamente e aponta para o cão, mas é tarde. Dudu late e o ataca mordendo seu braço; a arma cai. Abílio tenta se soltar, mas todo movimento é em vão.
Vemos vultos pelas janelas e ouvimos vozes da família de Dudu no interior da mansão. Ao perceber que os donos da casa acordaram, Abílio bate em Dudu com a mão esquerda para que ele solte seu braço direito. Com as pancadas o cachorro o solta mas agarra sua perna. Abílio grita e se joga no chão, tentando alcançar a arma.
CECÍLIA (O.S.)
Tem alguém lá fora, amor!
JOAQUIM (O.S.)
Fique aqui, eu vou ver!
Com muito esforço Abílio alcança o revólver. Aponta-o para Dudu e atira duas vezes. O animal adormece.
Abílio se levanta com dificuldade, pega o corpo inconsciente de Dudu no colo e, mancando, caminha apressadamente para a parte do muro onde entrou.
O vulto de Joaquim aparece na porta. Som de molho de chaves. A porta se abre e Joaquim sai. É quando ele vê apenas o vulto de Abílio pulando o muro e carregando Dudu.
ABÍLIO
(apontando a arma) Não se aproxime! Se vir atrás eu te mato!
O vulto de Abílio desaparece. Cecília chega onde está seu marido. Ambos assustados.
CENA 50: CONT. – EXT. CALÇADA – NOITE
Abílio desce as escadas que havia colocado anteriormente na calçada e, com a mão livre, a carrega para o furgão da Manda+ Sorvetes estacionado a poucos metros dali.
Ele abre a porta traseira, joga a escada para dentro e coloca Dudu inconsciente no interior. E fecha a porta.
FADE OUT:
Começam os créditos.
FIM


No próximo episódio:
Sofia e Adriel desvendam o mistério dos cães desaparecidos e Bolacha pode estar em perigo.

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