Saudações, queridos,
bem-vindos ao Primeira Impressão desse dom-- Ops!
Sim, nessa semana
infelizmente não pude aparecer no domingo devido a um problema técnico com meus
equipamentos desde que cheguei aqui em meu planeta natal. Sim de novo,
mancebos, a viagem foi um sucesso e o pouso não poderia ter sido mais perfeito.
Porém, os equipamentos precisaram de um tempo e algumas adaptações com nossa
avançada tecnologia para poderem funcionar sem problemas a 100.000 anos-luz de
distância de onde foram projetados para funcionar. Sei que alguns ouviram
boatos sobre o que aconteceu comigo, mas são apenas parcialmente verdadeiros.
Mas o que importa é que está tudo resolvido.
Agora terei alguns dias de
descanso e depois, junto ao meu advogado, preparei minha defesa para encarar o
Conselho. Talvez alguns tenham percebido que já há alguns programas não tenho
mencionado muito meu passado na Terra ou mesmo aqui, e isso por orientação de
meu advogado. Vamos esperar a situação se resolver para que eu possa lhes
contar mais do que aprontei em seu planeta tão atraente em cultura.
Mas agora vamos à crítica dessa semana, que se trata da
minissérie Órfãos do Paraíso, escrita por Rynaldo Nascimento e Weslley
Vitoritti e exibida na WebTV. Confira a sinopse:
“A obra conta a história
do jovem Pedro, viciado em vídeo game e jogos online e que estuda em um colégio
público do Rio de Janeiro. Sempre muito atento, ele tem ideias em relação à
desigualdade social comum nos países capitalistas. Ultimamente resolveu assumir
a fé islâmica, mas apenas para si mesmo, sem contar para os familiares. Porém,
o jovem acaba sendo recrutado para lutar em favor da fé distorcida por meio de
um profissional da sua escola, Hama, e embarca para o Oriente Médio. Neste mesmo
dia, a fotógrafa Laís vai com o filho Enzo à praia e se vê no meio de um grande
atentado terrorista”.
À
primeira vista de um leitor ocasional essa minissérie pode parecer algum tipo
de remake de Órfãos da Terra, novela exibida na Globo e escrita por Thelma
Guedes e Duca Rachid. Afinal, quem frequenta o Mundo Virtual sabe bem que basta
uma obra estourar na TV que releituras (para não dizer cópias) pipocam aqui e
acolá. Porém, a trama da obra em questão não tem nada a ver com a da
telenovela, e o fato de ela ter sido originalmente exibida em 2016 enquanto
Órfãos da Terra apenas em 2019 já põe uma pá de terra essa questão. Mas há algo
sim que aproxima ambas produções: a abordagem de uma cultura do Oriente Médio.
Nesse caso, a visão de um possível futuro mundial com base nos problemas e
ameaças atuais.
A
trama que se sobressai nesse capítulo de estreia é a de Pedro, um jovem de 18
anos aliciado para um grupo de terroristas muçulmanos e que vai deixando para
trás sua vida cotidiana no Rio de Janeiro em prol de sua nova e controversa fé.
Apesar de um ato tão extremo como esse, de forma alguma o rapaz toma tal decisão
precipitadamente. Na verdade ele nem mesmo está muito seguro quanto a tudo isso,
mas, tal qual acontece nos Campos Movediços de meu planeta, é arrastado ainda
mais para o fundo quando demonstra sinais de querer sair. E só esse caso
demonstra o poder dramático que os autores empregam na narrativa. É muito comum
vermos em obras do Mundo Virtual o peso do drama se perder quase que por
completo por conta da falta de dilemas nos personagens ante suas decisões, ou
seja, por falta de humanidade. É essa quem faz o herói pensar duas vezes antes
de colocar o pé na estrada em busca da aventura.
E
se aqui aludo a clássica Jornada do Herói, não o faço à toa. Apesar de Pedro
nessa estreia se assemelhar mais a um anti-herói, ou talvez com um vilão em
construção, ou até mesmo um herói trágico, a estrutura do início de sua jornada
tem por base a do Herói clássico, e talvez por isso a trama funcione tão bem.
Esse tipo de arco tende a ser redondinho, familiar ao público, além de
proporcionar identificação com o personagem por parte do público, mesmo ambos sendo
de realidades muito diferentes.
Apesar
disso tudo, não é com Pedro que o capítulo abre, e sim com Laís presa no
trânsito caótico. Porém, antes de a conhecermos, o texto faz uma incrível
apresentação da sombria Rio de Janeiro de 2045. O esquema de quais elementos
aparecem primeiro, do movimento da câmera (CAM), da descrição da paisagem
acinzentada e da chuva pesada castigando a cidade já acende um alerta no leitor
para que ele sinta que aquela não é a realidade que ele conhece, mas a
de um futuro em que as coisas de fato deram muito errado. Toda essa composição
mencionada acima faz se desenhar na mente do público cenários como os de Blade
Runner, onde quase sempre é noite, movimentado, o clima é chuvoso e também onde
paira no ar, de forma ininterrupta, uma áurea com origem em uma maligna força
maior. Não que na Rio de Janeiro de Órfãos do Paraíso há megacorporações ou
reis dominando tudo, mas é explícito que algo em algum momento do passado deu
errado e que um mal está muito presente naquele mundo.
E
essa eficiência em descrições, tanto de cenários quanto de personagens, é
apenas uma das características que possibilitam chamarmos esse capítulo de um
perfeito roteiro, e de nível profissional. A ideia dos autores é realmente
emular uma obra filmada na mente de quem lê, e o fazem com absoluta maestria. Podemos
exemplificar isso ainda utilizando a ótima cena de abertura, onde a legenda não
é inserida antes de toda a descrição, como muitos fazem, mas depois.
Primeiro vemos todos os elementos daquele mundo distorcido, e só após ganhamos
um nó na garganta com a revelação por parte da inserção da legenda: é um futuro
não tão distante. Mas não para por aí: a forma como a câmera é descrita
passeando pelos cenários, a clareza do local onde aqueles personagens estão
inseridos... Tudo isso nos faz enxergar a minissérie como se ela de fato
estivesse passando em uma tela à nossa frente. E coroando com estilo todo esse
tratamento está a formatação do roteiro, que em nada deve às dos roteiros de
emissoras e filmes cinematográficos.
Claro
que, apesar da boa trama, do já elogiado texto e dos ótimos diálogos
(primorosos se compararmos à média do Mundo Virtual), o capítulo não é pura
perfeição, e podemos constatar isso facilmente com o gigantesco número de
personagens inseridos nesse 1° capítulo. E olha que o problema poderia ser
muito maior caso a estreia fizesse como a maioria das obras criticadas
anteriormente aqui no programa, que não tinham nenhuma ou quase nenhuma
preocupação em pincelar a aparência de suas figuras, para que ao menos o leitor
tivesse uma noção se aquele dito-cujo tem 8 ou 80 anos, se é negro ou branco,
etc. O capítulo 01 de Órfãos do Paraíso, até em sintonia com a ideia de um
roteiro audiovisual, insere cuidadosa e detalhadamente diversas características
físicas de todos os seus personagens, sem deixar margem a dúvidas; porém, peca
pelo excesso. E não é um ou dois personagens que ficam sem função alguma na
trama. Não que eles não terão uma lá na frente, mas aqui, nessa estreia, não
mostraram razão pra já estarem presentes. É o caso de Mikael, Mirela, Anthony,
e alguns outros.
O
capítulo também se mostra um ótimo exemplo de ortografia e pontuação, apenas
com erros pontuais e bem isolados. Também um problema isolado, mas mais grave,
é a reação de Zilma, mãe de Pedro, ao encontrar uma mensagem e desenhos com
representações violentas enquanto mexe nas coisas do filho. Não sei você,
mancebo, mas acho um tanto irreal alguém mexer nas coisas de outro, encontrar
desenhos e uma mensagem figurativa e já quase desmaiar por concluir
instantaneamente que a pessoa é um terrorista. Diferente do que acontece
no caso do comportamento de Pedro, faltou humanidade e também verossimilhança
para essa situação de Zilma.
Ao
meu ver, Órfãos do Paraíso – ao menos a estreia – se mostra uma leitura
obrigatória no meio do Mundo Virtual não necessariamente pela história e
mensagem que quer passar, mas pela forma com que o faz, demonstrando da parte
dos autores conhecimento e habilidade, mas, acima de tudo, comprometimento em
fazer o melhor possível, não se contentando com o medíocre. Se nessa trama
haverá alguém que ficará órfão de seu paraíso eu não sei e nem saberei, mas, a
menos que as próximas webs se mostrem em um nível de qualidade acima do que
tenho visto ultimamente, também estarei eu, por um bom tempo, órfão... de uma
satisfatória estreia.
Minissérie: Órfãos do Paraíso
Autores: Rynaldo Nascimento e Weslley Vitoritti com colaboração de João Carvalho Netto
Capítulos: 12
Emissora: WebTV
Clique aqui para ler o 1° capítulo
E essa foi nossa crítica de hoje. Antes de mais nada, gostaria de pedir a vocês que não percam o programa do próximo domingo, pois será Especial de Halloween, e teremos uma web de terror para analisar. Será que apenas o 1° capítulo/episódio dessa obra será capaz de me arrepiar? Veremos. Sinceramente, pouca coisa da Terra me arrepia mais que a Idade Média.
Mas por hoje é isso. Vocês querem que eu critique a estreia de uma web do Mundo Virtual? É só pedirem abaixo. Perderam o programa anterior? Então cliquem aqui e vejam, está imperdível. Tenham uma boa semana, um bom descanso e um bom sucesso em seus afazeres. Até lá!
Obrigado pelo seu comentário!